LIBERDADE E RESISTÊNCIA: CONHEÇA A ARTE QUEER CARUARUENSE
- ccaroaportal
- 19 de out. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de out. de 2022
Com roupas e sons alternativos desponta a cultura local que prova que Caruaru não é só forró
Com o pôr-do-sol da Capital do Forró, começa um verdadeiro show. É na cena noturna da cidade de Caruaru que a comunidade queer, pessoas que se definem como LGBTQIAPN+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersex, assexuais, panssexuais, não-binários, mais outras orientações), tem construído aos poucos seu próprio refúgio. Os estrangeirismos que compõem parte da sua identidade podem até causar estranheza de primeira — queer literalmente significa “estranho” em inglês —, mas a mensagem que trazem é a oposta. Por muito tempo usada para humilhar e segregar por não seguirem certos padrões sociais, vem sendo colorida de um novo significado de orgulho e autoafirmação em espaços queer.
Se antes esse amor não ousava dizer seu nome, hoje fala através da presença de cada uma das pessoas nas filas dos eventos, nos bastidores da produção, nas atrações principais. Se hoje as vozes ecoam em uníssono sob as luzes LED neon durante a euforia notívaga, há bem pouco tempo, raríssimas ousavam conjugar ao menos um verbo pela causa LGBTQIAPN+. Os caruaruenses da BAFORA são um pontinho fora da curva do que é regularmente produzido na região, não só por quem a compõe, mas em como atuam. Considerando o contexto local, historicamente associado à masculinidade normativa do “cabra macho” que não chora e é pra lá de hétero, o coletivo composto por três homens e uma mulher trouxe a Festa Bafora, voltada à música eletrônica, clubber, techno, house. A festa surgiu pois, apesar de existirem outras boates em Caruaru, não havia palco para esses gêneros musicais. Esse incômodo permaneceu até eles criarem o que na época foi apenas algo casual entre amigos só para ver no que ia dar. A primeira abertura ao público geral foi num sábado de maio no bar La Boca, localizado no coração da cidade. Para surpresa deles, a casa ficou lotada.

Como onde há arte, há liberdade e diversidade em pensamento, para quem estava ali na porta aguardando a festa começar e, mesmo antes, se aproximando com seus amigos nas ruas de acesso, não se trata apenas de uma noite de descontração. Ainda pensando na relação Agreste e modernidade, um outro coletivo caruaruense LGBTQIAPN+ e espaço de difusão de arte e cultura queer é o Pocs Bar. Fundado no maior e mais tradicional evento da cidade, o São João de 2019, o local é conhecido por lutar abertamente pela causa, não somente um plano atrativo de marketing para esse nicho. Idealizado para abraçar a luta de todas, todos e todes, sem distinção dentro da sigla, o Pocs é de fato uma vivência.

Ambos espaços se tornam referência também no sentido de abrir espaço para artistas do meio, dando oportunidade para aqueles que vivem no Agreste e precisavam de uma brechinha para começar. Mesmo com os avanços nos últimos anos em visibilidade e em aceitação, viver da arte sendo queer no interior de Pernambuco é uma missão digna de Aquiles, que na mitologia grega foi o maior guerreiro da batalha de Troia (e para muitos, símbolo gay por sua relação com Pátroclos no livro “Odisseia”, de Homero). Nesse quase-heroísmo cotidiano que é a luta pela existência, a lista de dificuldades não é curta, como testemunha um dos criadores do Pocs, Willemberg Carvalho: olhares preconceituosos, fiscalização excessiva dos órgãos públicos, menor visibilidade pelo público e o não-reconhecimento da importância de dar espaço a uma parcela da população que simplesmente deseja trabalhar, viver, ser respeitada.
Entretanto, o valor simbólico da visibilidade em espaços públicos de Caruaru acaba contando mais do que o próprio valor monetário, com a introdução de novos artistas descobertos dentre a programação de ambientes declaradamente LGBTQIAPN+. Performances drags, DJs travestis, organizadores e produtores queer, todos fazem parte de uma grande onda de luta pela representatividade dentro do âmbito cultural da região. Quem põe os pés nos espaços queer nota quão inventivas são as criações artísticas dos artistes: na Bafora #02, talentos como o de Dany WR, ilustradore fazendo pinturas ao vivo para o público, e Sam Auerbach, “arriscando pelo risco” em seu live painting ousado, renderam cliques e elogios. Dos espaços físicos aos espaços políticos e virtuais, “O Pocs vai além de um bar/boate para mim. Muito além. Ali, eu consigo me sentir acolhido. É como uma segunda casa e é por isso que eu dou tanto valor aquele lugar e a todo mundo que faz o corre acontecer”, tuíta um dos frequentadores do local, @caiovilhoso. Dia a dia — ou noite a noite —, a esperança renasce nas ruas e avenidas da capital de todas as cores do arco-íris.
Por Fabrício Magno, Lethycya Lima, Lucas Bezerra, Mikaelly Lira e Un Hee Martha
Comments