A HISTÓRIA DO ROCK EM CARUARU: UM VISLUMBRE DO PASSADO E DO PRESENTE
- ccaroaportal
- 23 de out. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de nov. de 2022
A formação da cena musical do rock e do metal na cidade do forró.
Por Fernanda Kemilly, Livia Rodrigues, Laís Barros, Nayara Nascimento e Sammy Carolina
Numa época em que o Agreste pernambucano encontrava obstáculos, como a distância dos grandes centros urbanos e a dificuldade de acesso a produtos culturais, a cena do Rock e do Metal caruaruense deu os seus primeiros passos. Em meados de 1970, os gêneros começaram a ser difundidos entre os circuitos underground da cidade. Apesar de o rock clássico já ser consumido na região, a cena local da música extrema local, como também é conhecido o metal e seus subgêneros, ainda estava em seu processo embrionário.
O comerciante e colecionador Moisés do Nascimento Silva foi um personagem primordial para a difusão e revenda de materiais relacionados ao rock em Caruaru, como os vinis e revistas especializadas, tornando-se o grande precursor do movimento na cidade e uma lenda entre os roqueiros locais. A partir da mediação de Moisés, começa a se formar uma cena de roqueiros que se reuniam em encontros públicos. Um dos locais preferidos para tais encontros era em frente à agência do Banco do Brasil, no Centro da cidade. Estima-se que entre os anos de 1977 a 80, aproximadamente 100 pessoas se reuniam apesar da hostilidade que sofriam de outros transeuntes, que associavam os encontros à marginalidade.
Na segunda metade da década de 1980, é inaugurada, por Moisés juntamente com um amigo, a primeira loja especializada no gênero na cidade, a Blasfêmia. A loja durou pouco menos de um ano até o encerramento de suas atividades, entretanto, a Metalmorphose dá continuidade à comercialização de discos para os roqueiros. Propriedade de Erivaldo Souza, a loja é a mais antiga em funcionamento no Estado quando se trata de lojas especializadas em rock. Após a abertura da loja, Everaldo promoveu um festival de música extrema que foi batizado com o mesmo nome, o Festival Metalmorphose, considerado o primeiro a incluir sonoridades mais pesadas em Caruaru.
Em 1987, a cena do rock passa por um divisor de águas com o show da banda Sepultura no Teatro João Lyra Filho. Idealizado pelo deputado federal Wolney Queiroz, que tinha apenas 12 anos na época, a apresentação da banda, que viria a ser uma das maiores do gênero na América Latina, representou a entrada de Caruaru no circuito de bandas de rock de fora do estado. A partir disso, começam a surgir as primeiras bandas caruaruenses a investir num som pesado e autoral, dentre as quais a Storms foi uma das pioneiras, fundada em 1988. Muitas bandas foram inspiradas e produziram as mais diversas sonoridades do Metal, como a Nekrofago, Necrose, Sinister, Psych Acid. Este foi um importante momento para a cultura do rock na região, pois o som produzido por essas bandas inspirou gerações de músicos posteriores que viriam a se formar.

A banda Psych Acid foi uma das mais influentes na cena caruaruense. Conhecida como uma das bandas da “velha guarda do rock caruaruense”, foi formada por Raionato Vila Nova ou Nato Vila Nova como é popularmente conhecido. Vocalista e baterista, começou a frequentar ensaios de outras bandas no final da década de 1980 e, antes de fundar a Psych Acid, foi membro de duas outras bandas de thrash metal, um subgênero do metal e a Funeral, a última sendo a sua primeira banda. Foi em 1990 que, junto de amigos aficionados por música extrema, Nato fundou a Psych Acid e após os primeiros ensaios e reuniões, o projeto se desenvolveu e se estabeleceu no cenário musical local. “Criamos as músicas e aqui estamos até hoje, firmes com a ideia de fazer thrash metal na capital do forró”, diz Vila Nova. A formação atual da Psych Acid conta com Nato Vila Nova nos vocais e na bateria, Zeca Marques no baixo, Henrique Aragão na guitarra e Bruno Amorim na segunda guitarra.
Apesar de viver em uma cidade onde o regionalismo ganhava destaque nas letras de músicas, Nato teve influências importadas através dos vinis e fitas cassetes vendidas nas lojas especializadas de rock. Bandas como Destruction, Kreator , Exodus e Metallica, todas bandas de origem norte-americana, influenciaram o grupo de amigos a montar uma banda que toca exclusivamente música extrema, indo na contramão do forró produzido em Caruaru. Outras como a Obituary e Death influenciaram na sonoridade de Nato com linhas do thrash e do death metal. Apesar das influências, ele sempre prezou por manter sua autenticidade em meio as outras bandas que já estavam no mercado. “A gente chegou fazendo esse som com essas influências sem deixar parecer com ninguém. O nosso foco sempre foi este: absorver as influências dessas bandas, mas nunca deixar nenhuma base, nenhum ritmo parecido com nenhuma banda”. Ele também conta que, logo após as primeiras apresentações, os admiradores começaram a aparecer e que a aceitação da cena rock veio com facilidade, pois já andavam em grupos e viajavam juntos para shows em cidades como Campina Grande e Fortaleza.
Para Nato, o rock e o metal andam juntos com questões sociais. "O rock sempre foi contestador, de ser contra o sistema e isso já vem desde o punk que foi influência para virar o metal mais pesado”. Para ele, é uma obrigação dos indivíduos inseridos na cena se posicionarem contra a opressão, governos autoritários, racismo, homofobia e machismo, tendo em vista que os gêneros nasceram como uma forma de manifestação contra um sistema opressor. “ A gente fazendo metal não tem outra opção. Ou se posiciona ou está sendo conivente com o sistema. Essa é a ideia do metal, do punk, o underground como um todo, ele sempre foi de contestar e ir contra o sistema. E aqui estamos nós para bater de frente com o sistema.”

Enquanto a Psych Acid se destaca como uma das bandas pioneiras da cena na década de 1990, outras bandas, com formações mais recentes, se destacam na cena de música extrema em Caruaru e uma das principais no gênero é a Alkymenia, liderada pelo baixista e vocalista Lalo. Ele e seus dois irmãos, Sandro e Dennis, formaram a banda em 2003 tocando como autodidatas. Em entrevista, Lalo conta da paixão pelo rock que existia desde criança e como seu irmão mais velho, Sandro, foi crucial para a formação do grupo. “O desejo de se montar uma banda, de viver fazendo rock and roll, de viver levando alegria para as pessoas, viver viajando, tudo partiu das influências do nosso irmão”. Para a banda, toda a cena de rock e metal, como a cena nordestina, por completa, serve como inspiração desde sempre e ajuda a manter firme para continuar produzindo, compondo. Mesmo diante dos desafios de evoluir como músicos e de exportar seus projetos para o exterior, Lalo pontua que isso não limita o grupo a não se dedicar totalmente a banda, pois cantar é um estilo de vida para os três irmãos, indo além do exercício de uma profissão.

Desde seu surgimento, a banda passou por dificuldades para fazer as gravações de seus trabalhos e entregar para o público um som profissional, pois os instrumentos que utilizavam podiam ficar distorcidos sem uma boa acústica. Precisaram ir a São Paulo e encontrar uma gravadora que pudesse dar a técnica para que suas composições pudessem chegar de maneira profissional e completa aos seus ouvintes, mas nem tudo é desventura. A internet permitiu que suas composições fossem ouvidas e compartilhadas pelo mundo, o que favoreceu levar sua arte para o exterior. Como resultado, puderem realizar turnês na Europa. Vindos do interior do Agreste e enfrentando os obstáculos de serem músicos autorais de um gênero que, embora tenha melhorado, sofria com estigmas, a banda pode ser considerada representante cultural não só de Caruaru, mas de todo Nordeste para o mundo.
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