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O RAP EM CARUARU: NOS PALCOS E NAS RUAS

  • Foto do escritor: ccaroaportal
    ccaroaportal
  • 19 de out. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 24 de out. de 2022

Das composições levadas aos estúdios de gravação e videoclipes às batalhas de letras improvisadas nas calçadas da cidade


Por Janniny Nascimento


O surgimento do rap como gênero musical a partir da cultura hip hop


A música, assim como todas as outras formas de arte, se espalha como o vento, perpassa limites geográficos e sociais. Ultrapassa os limites dos preconceitos históricos e viaja pelo mundo, encontrando raízes e se expandindo. É o caso do rap, que se popularizou por meio da cultura hip hop, junto aos outros elementos, o grafite, o DJ, o MC e o breaking. Foi com as assinaturas dos grafiteiros nas paredes das estações de metrô e festas embaladas pelo ritmo do Dj reproduzindo as batidas da música, mestres de cerimônia (MCs) chamando a atenção das pessoas ao microfone e dançarinos fazendo acrobacias que a cultura do hip hop surgiu na década de 70, no bairro do Bronx, nos Estados Unidos. Debruçando-se em meio a um caos político social e a uma grande marginalização da população negra da região. Muita gente afirma, e talvez eu seja uma delas, que, naquela época, muito já se percebia sobre o poder de alcance desse movimento, mas pouco se imaginava sobre o futuro, como ele seria gigantesco e engoliria todos os espaços e caminhos possíveis. Na TV, nas rádios, nas grandes gravadoras, nos filmes, em tudo que se possa imaginar, transformando-se em um furacão, metaforicamente falando e continuando a analogia inicial com o vento, ou então um tornado, que, de acordo com os geógrafos, é o mais forte dos ventos. Isso é histórico e revolucionário, é uma música proveniente da periferia e de populações marginalizadas conquistando o mundo!

De início, quase como uma brisa que às vezes ninguém percebe, a cultura hip hop foi se expandindo através das festas realizadas no Bronx. Muitos participantes, inclusive, eram imigrantes negros da Jamaica ou Porto Rico. As chamadas block parties fortaleceram os quatros elementos citados anteriormente. Nessas festas, era comum uma forma característica de se tocar os discos, a voz dos cantores, que geralmente é o que as pessoas mais querem ouvir, não era o destaque da festa. O auge era o DJ repetir apenas a parte instrumental da música enquanto a galera não parava de dançar. Esse ato de repetir o break da música derivou os dançarinos de breaking, outro elemento-chave das festas. Os MCs (mestres de cerimônia) se uniram aos DJs e a um microfone para agitar os festeiros. As rimas recheadas de protestos, brincadeiras e interações com a plateia logo ganharam espaço. As batalhas de rima também, onde os MCs disputavam qual verso improvisado agitava mais a multidão. A partir da junção dos dois elementos DJs e MCs, popularizou-se então um jeito característico e revolucionário de se fazer música. Um DJ arranhando o disco e repetindo sem parar o break da música e um MC rimando ao microfone era tudo que se precisava para um novo estilo musical surgir. O gênero rap, que em uma das traduções significa ritmo e poesia, o ritmo dos Djs e a poesia dos MCs. Além de significar “batida forte”, discurso ou reclamação.

O rap se consolidou em cima dessas principais características, a batida forte inicialmente remixada pelo DJ e as letras rimadas, pouco melódicas e em forma de protesto declaradas pelos MCs. Hoje essas características são bem amplas e já existem subgêneros que são mais melódicos, como você verá mais adiante.


A cultura do hip hop e o seu elemento rap chega ao Brasil


A partir dessa explosão no Bronw, o que era das ruas e das festas periféricas logo foi divulgado pela mídia e ganhou o mundo. Alguns rappers saíam das calçadas e iam para os palcos e estúdios de gravação. No final da década de 70 e anos seguintes, esse movimento não pegou um avião. Apenas seguiu o fluxo do movimento do ar e aos poucos esse tufão foi chegando também ao Brasil. No início dos anos 80, aconteceu a inserção do hip hop na indústria musical global. Hits como "Rapper 's Delight” e “The Message” dos grupos estadunidenses The Sugarhill Gang e Grandmaster Flash and The Furious Five alcançaram o topo das paradas. Esses são alguns dos primeiros grupos a emergirem na cena mundial. No início dessa década, a cultura hip hop também chegava em disparada no Brasil. São Paulo, com o metrô da São Bento, foi uma grande sede do movimento no país, protagonizando eventos históricos como a 1ª Mostra Nacional de Hip Hop, em 1993, que reuniu simpatizantes da cultura de diversos lugares diferentes do país. Thaide e Dj Hum, frequentadores da São Bento, participaram do considerado primeiro disco de rap brasileiro “Hip Hop Cultura de Rua” em 1988. Assim como alguns eventos da natureza que não são possíveis de serem controlados, o movimento foi levado como o vento para cada parte do mapa brasileiro.


O rap em Caruaru, região do Agreste de Pernambuco


Em Caruaru, a cultura hip hop começou a explodir em 1997 com o primeiro grupo de rap na cidade, Justiceiros MCs. O grupo idealizou em 2000 o primeiro evento de hip hop na cidade e contribuiu também, junto a outros artistas locais, como Nino do Rap e Back 5, em diversos outros eventos que fizeram com que o movimento ficasse conhecido na cidade, tanto pela população quanto pela mídia. Em 2004, um dos integrantes, Bira, saiu do grupo e fundou o projeto Bira e o Bando, que, em 2005, lançou um EP e ganhou grande visibilidade da mídia local. Esse artista inclusive já fez diversas parcerias com outros nomes consagrados da cena do rap nacional como Gabriel Pensador e Faces do Subúrbio. Pulando algumas décadas, atualmente diversos artistas locais se destacam por viajarem nos subgêneros no rap, exemplo do trap e do cantor Lucas Duguetto, que terá seu momento de brilhar mais a frente nesta matéria.

As batalhas em Caruaru


A improvisação já era presente nos encontros da cultura que aconteciam na cidade, mas as batalhas de rima só se popularizaram de fato a partir de 2017. Ainda nesse ano, alguns MCs já se encontravam na escadaria da Estação Ferroviária do centro de Caruaru para improvisar, mas um evento que impulsionou a organização das competições de freestyle foi o Se Mazelar a Casa Cai, realizado no mesmo lugar, contendo batalha de breaking e de rima (chamada de batalha de conhecimento). Desde então diversas outras disputas ficaram conhecidas e ganharam destaque como a Batalha da Escadaria, Batalha da Avenida, Batalha do Marco Zero e a Batalha da Igrejinha.


Como funciona uma batalha?


Os versos podem ser mandados por cada competidor no microfone e com uma caixa de som tocando um beat no fundo. Ou sem microfone, sem caixa de som e apenas alguém fazendo beatbox. Há também a opção em que os MCs rimam à capela. O sorteio realizado para definir os competidores de cada round é chamado de chave, geralmente são dois competidores em cada round, o vencedor de cada etapa passa para a próxima fase e batalha com o ganhador de outra etapa, até chegarem na semifinal e final. Algumas batalhas definem 4 ou 2 versos por fase para cada MC, outras definem 30 ou 45 segundos. Quem escolhe o vencedor é a plateia, em caso de empate acontece um terceiro round, quando além da plateia a batalha possui mais dois jurados, eles decidem o desempate. Geralmente os improvisadores definem no impar ou par quem começa, quem manda a rima por último é sempre o primeiro a iniciar na próxima rodada.


Alguns artistas da cena em Caruaru


Embora em sua grande maioria e infelizmente os caminhos sejam trilhados em prol de um protagonismo masculino, as mulheres estavam e estão até hoje participando desse movimento. Suh Joy, 23 anos, caruaruense, canta desde pequena e já participou de diversas batalhas de rima e também já gravou suas músicas e fez parcerias com outros artistas da cena. Com 15 anos, começou a participar dos eventos de hip hop, a escrever músicas e até a gravar videoclipes, mas já ouvia rap desde criança por influência do pai e de amigos. A artista relata que chegou a se reunir com os amigos em um estúdio improvisado em casa e também a organizar pequenos eventos na sua comunidade, onde eles improvisavam apenas com uma caixa de som e um microfone.


Suh Joy conta que hoje parou de participar das batalhas, pois se identifica mais com a composição das músicas do que com a rima improvisada, mas que ainda gosta bastante do ambiente e de ir para prestigiar. O respeito pelas mulheres no rap, a possibilidade de elas também poderem se expressar nesse estilo e na vida, as desigualdades sociais e relatos, que geram identificação em quem ouve, são alguns dos caminhos que Suh Joy segue em suas composições, além de utilizar as suas letras como forma de desabafo. “Eu sou apaixonada até hoje. O rap é uma paixão que vai durar a minha vida toda, porque ele me ajudou de várias formas a me entender, a me conhecer e conhecer outras pessoas, aprender sobre outras culturas. Já viajei para outras cidades para gravar e para cantar em alguns eventos. O rap formou o que eu sou hoje. Eu dei um tempo na música, mas eu escuto todo dia. Faz parte da minha vida”.


Lucas, mais conhecido como Duguetto, é um cantor de 21 anos que vem desde 2020 trabalhando de forma independente e lançando suas músicas. Também se interessa por música desde pequeno, gostava de rimar nos intervalos da escola. Por volta de 2017, começou a ir para a Batalha do Marco Zero, no centro de Caruaru. Meses depois, juntou-se a um amigo e montou a Alto Bolado Records. Foi assim que eles começaram a produzir músicas e videoclipes. Tempos depois seu amigo viajou para São Paulo e a produtora que eles haviam montado acabou. Após isso, Duguetto foi chamado pela gravadora de Garanhuns Sem Diploma Records e vem produzindo desde então. O artista investe em um dos subgêneros do rap, o trap.


O trap é um estilo que também surgiu nos Estados Unidos e se popularizou no restante do mundo a partir dos anos 2000 e hoje possui um enorme espaço na indústria musical, tendo como principais nomes nacionais Migos, Raffa Moreira, Matuê e L7nnon. O gênero é conhecido por investir mais na melodia, diferente de estilos mais antigos do rap, o uso de sintetizadores da música eletrônica, timbres mais melódicos e o uso do autotune também são características marcantes. O cantor conta que em Caruaru o estilo não é muito acessível, pois faltam artistas e produtores produzindo e investindo em qualidade e que, infelizmente, para conseguir produzir ele precisa se deslocar para outras cidades às vezes. Por isso, Duguetto é considerado e se considera um dos primeiros no investimento no rap profissional em Caruaru.


Há uma discussão sobre trap ser ou não rap. O estilo ficou conhecido pelas letras com fortes críticas sociais, mas hoje a diversidade de temas é ampla e o próprio trap bebe bastante dessas possibilidades. Duguetto diz que os artistas que acreditam que o hip hop music é só uma coisa e que a música que ele produz não faz parte do movimento está se limitando e se recusando a acompanhar a evolução do gênero.


Leandro, mais conhecido como Coelhão, ouve rap desde criança, mas seu primeiro contato com batalha de rima foi em 2017, na praça da Nova Euterpe, no centro de Caruaru. O MC conta que nunca havia rimado, mas que, como estava faltando um competidor, o seu amigo o colocou na batalha. Mesmo perdendo, Coelhão gostou da experiência e começou a treinar improvisação e a participar de outras batalhas. As maiores referências para Leandro são Emicida, Racionais, Sant e como referências de sua cidade ele cita Acuzado MC e o grupo Astucia Skateboard. O rapper conta que, quando está rimando se sente livre para desabafar, passar alguma mensagem ou para se divertir e que é uma sensação única. “Para mim, o rap significa união, igualdade e estilo de vida. Ele me ensinou a ver as coisas de um jeito diferente, de ser e de pensar diferente também.”


É sempre emocionante olhar para o passado e enxergar a arte que resiste e existe até hoje. O rap entrou na grande indústria musical, mas também ainda se manifesta nas ruas, nas festas. Alguns cantores conciliam suas horas de estúdio com o suor e a emoção de encarar um oponente e confrontá-lo numa batalha. Outros MCs compõem, mas não improvisam, outros improvisam, mas não compõem. Esse som continua arrastando tudo que vê pela frente, como uma tempestade. Também continua mudando a vida de milhares de pessoas, de periferias, de bairros e cidades. Dos shows com as maiores estruturas possíveis e clipes de alta definição às batalhas de rima nas calçadas com apenas uma caixinha simples de som e vários corações apaixonados e enlaçados pela arte e pela cultura, o rap vem conquistando cada vez mais espaço.




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